Paisagem Açores

Connect.Gene

Açores hotspot de biodiversidade



A Região Autónoma dos Açores (RAA) está incluída na Macaronésia (pertencente aos 35 hotspots de biodiversidade mundiais) e devido à sua localização é considerada um grupo remoto de ilhas no Atlântico Norte. Está estimado que ecossistemas insulares englobem mais de 30% de hotspots de biodiversidade mundiais, o que os torna laboratórios perfeitos para estudar o impacto dos corredores ecológicos na diversidade genética de espécies ameaçadas, que poderão ser extrapolados para ecossistemas maiores. 

Estudos sobre a diversidade em diferentes ecossistemas podem proporcionar resultados importantes acerca da dinâmica de populações assim como para a preservação e gestão do ambiente. Conhecer os padrões de fluxo genético é fundamental para o planeamento de conservação de paisagem e aconselhamento de estratégias de conservação. 


Flora nativa


A flora do arquipélago compreende 811 espécies, das quais 24% (197 espécies) são consideradas indígenas (Schaefer, 2003). Setenta espécies, aproximadamente um terço da flora indígena, são endémicas do arquipélago (Schaefer, 2005), que representam uma proporção de endemismos de uma só ilha inferior a outros arquipélagos. Muitos endemismos açorianos são caracterizados por uma vasta gama ecológica e altitudinal, sendo a zonação altitudinal nos Açores menos óbvia do que por exemplo nas Canárias ou na Madeira. Whittaker e Fernández-Palacios (2007) sugeriram que a maior diversidade de habitats e complexidade topográfica das Ilhas Canárias pode ter proporcionado maiores oportunidades de radiação dentro das ilhas do que no arquipélago açoriano (Carine e Schaefer, 2010). Nas Canárias, Madeira e Cabo Verde há exemplos notáveis de radiações evolutivas, enquanto que nos Açores há muito poucos exemplos de taxas estreitamente relacionadas que tenham divergido in situ (Schaefer, 2003; Jones et al., 2016), com 80% das linhagens endémicas contendo apenas um único táxon endémico; nas Canárias, este número é de 56% (Jones et al., 2016). Nos Açores, a maioria dos endemismos são generalizados a todas as ilhas e muito poucos estão restritos a uma única ilha, o que sugere um maior nível de conetividade entre ilhas, pelo que é evidente que a flora açoriana difere das outras floras da Macaronésia e das floras de arquipélagos oceânicos e é por isso um caso interessante para estudar.


Habitats


Atualmente considera-se que existam 29 tipos de habitats diferentes nos Açores, que vão desde falésias costeiras a zonas húmidas de turfeiras, charcos e lagoas, até florestas densas. Muitos destes habitats são considerados prioritários para a conservação e estão protegidos pela Diretiva Habitats. A lista completa de habitats dos Açores pode ser encontrada aqui. Decorre atualmente um projeto Life que visa a preservação destes habitats da Diretiva, o Life IP Azores Natura.

Os habitats de zonas húmidas têm recebido especial atenção nos últimos anos pela sua importância na regulação hídrica nas ilhas e por albergarem uma importante biodiversidade. Existe uma convenção internacional chamada RAMSAR que foi estabelecida em 1971 e tem como objetivo proteger as zonas húmidas e os seus recursos. Esta convenção entrou em vigor em Portugal em 1981, e de momento existem 13 zonas RAMSAR nos Açores. O projeto WETREST que decorreu recentemente nos Açores teve como objetivo definir estratégias de restauração para as zonas RAMSAR dos Açores. Abaixo mostramos alguns dos habitats mais particulares do arquipélago.


Turfeiras


Nos Açores existiriam 350 Km2 de turfeiras, 30% persistem e destas mais de 50% encontram-se degradadas por ação humana, nomeadamente devido ao seu uso como áreas de pastoreio. A importância das turfeiras é já bem conhecida, bem como os seus serviços sabendo-se genericamente que as particularidades destes ecossistemas incluem características particulares das quais depende o equilíbrio do ambiente insular. 

Existem nos Açores diversas tipologias de turfeiras protegidas pela Diretiva Habitats 

92/43/CEE, as turfeiras altas ativas (código 7110), turfeiras altas degradadas ainda suscetíveis de regeneração natural (7120), turfeiras de cobertura (7130), turfeiras de transição e turfeiras ondulantes (7140), turfeiras arborizadas (91D0). Existem vários outros habitats protegidos em estreita relação com as turfeiras e dependentes destas para a sua perpetuação. O mesmo se pode mencionar em relação a várias espécies raras nitrófilas, endémicas e protegidas que dependem da existência de turfeiras e suas dinâmicas naturais. 

As turfeiras foram mencionadas para os Açores apenas nos anos 70, e o primeiro estudo mais detalhado destas formações data de 1996.

Pereira et al (2022) investigaram o potencial das turfeiras na mitigação das alterações climáticas e observaram que as distribuições atuais de turfeiras estão bastante inferiores à área potencial estimada em 8035 e 5231 ha. para a Ilha Terceira e Flores respetivamente (20 e 37% da área total da ilha). As áreas mais primitivas representam os maiores reservatórios hidrológicos e fontes naturais de serviços de água. As turfeiras naturais também mostraram maior capacidade de conter a água gravitacional, funcionando como estruturas de acumulação.

Aumentar a naturalidade destas áreas aumentaria, portanto, a capacidade destes ecossistemas de agir melhor como um tampão em eventos climáticos extremos.


Livro das turfeiras Turfeiras e alterações climáticas

Lagoas costeiras


As atuais lagoas costeiras dos Açores localizam-se nas Fajãs da Caldeira de Santo Cristo e dos Cubres na ilha de São Jorge. Estas são constituídas por águas salobras, designadas como massas de água de transição na Região Hidrográfica dos Açores. Em 2005 estas fajãs foram reconhecidas como Zonas Húmidas de Importância Internacional ao abrigo da Convenção de RAMSAR. No âmbito da Rede Regional de Áreas Protegidas, estas fajãs integram a Área de Paisagem Protegida das Fajãs do Norte, uma das 13 unidades de gestão do Parque Natural da Ilha de São Jorge, criado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 10/2011/A, de 28 de março (Porteiro, 2012).

Floresta laurissilva


Este tipo de floresta caracteriza-se por ser dominada por espécies laurifólias, isto é, por espécies arbóreas, perenifólias, de folhas grandes, como a folha do louro. A este hábito estão associadas condições climatéricas amenas, de Invernos pouco rigorosos - sem geadas ou neves - e verões sem falta de água. Estas condições subtropicais atualmente só podem ser encontradas em poucas regiões do globo, nas quais se incluem ilhas de regiões temperadas, pelo efeito de oceanicidade. Estas comunidades vegetais são relíquias do Terciário, período em que possuíram uma vasta distribuição pelos continentes do hemisfério Norte, de clima mais temperado-húmido do que na atualidade. 

Característica desta flora é a família das Lauráceas, de onde deriva o nome do tipo de folha. No caso do arquipélago dos Açores a única laurácea nativa é o Laurus azorica, que desempenha um papel muito ativo na modelação das comunidades vegetais.

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Ameaças


A fragmentação dos habitats dos Açores é uma realidade, expressa numa paisagem rendilhada com domínio de sistemas de produção. Existe ainda a fragmentação natural, resultante do vulcanismo e distanciamento entre ilhas. No entanto, subsistem largas áreas pristinas - mosaicos naturais, parte dos Parques Naturais - e um recorte denso da restante paisagem tradicional, com sebes e alinhamentos de vegetação, potenciais corredores ecológicos. Marcelino e colegas (2013) encontraram uma relação significativa entre a ação antropogénica e a diminuição da diversidade de espécies de plantas indígenas (nativas, endémicas, de topo e ameaçadas), e inversamente um aumento da diversidade de espécies introduzidas (ou seja, plantas invasoras, naturalizadas, casuais e cultivadas), sendo os campos de milho, os pastos artificiais e os pastos semi-naturais os tipos de uso do terreno com maior proporção de plantas cultivadas, naturalizadas e invasoras, e menor proporção de espécies nativas. A mais recente avaliação das ameaças às espécies da flora Açoriana pelo programa da Rede Natura realizada por Dias et al. (2012) encontra-se no portal do ICNF.

Desta forma justifica-se estudar a conetividade das populações de plantas nativas de forma a melhorar os planos de Conservação nos Açores, e foi por isso que nasceu o projeto Connect.Gene.


Idade geológica das ilhas

As ilhas açorianas surgiram do fundo do mar há 0,04 - 5 milhões de anos (Ma) considerando a idade máxima K/Ar (Schaefer, 2003). A ilha mais antiga, Santa Maria, foi isolada durante pelo menos 4 Ma após a sua formação antes de qualquer outra das ilhas açorianas ter surgido (Carvalho et al., 2015), (Shaw e Gillespie, 2016). A Terceira emergiu aos 3,52 Ma, a Pico emergiu aos 0,3 Ma e o Faial emergiu aos 0,73 Ma. O Faial e o seu vizinho Pico são partes do mesmo edifício vulcânico, separadas apenas por um pequeno canal de 80 m de profundidade (Shaefaer, 2003). 

A formação da Terceira, a mais antiga ilha central dos Açores, foi impulsionada por uma série complexa de explosões, erupções vulcânicas e sismos destrutivos que duraram até cerca de 0,3 Ma (Parmakelis et al., 2015). De acordo com (Nunes, 2000) a Terceira tem 5 áreas vulcânicas eruptivas principais (por diminuição da idade cronológica): (1) Cinco Picos (3,52 Ma a 0,3 Ma); (2) Guilherme Moniz (0,41 Ma a 0,023 Ma (Nunes, 2012)); (3) Santa Bárbara (1,24 Ma a 0,029 My (Nunes, 2012)); (4) Pico Alto (100 000 anos a 1000 anos (Self, 1973)); e (5) área fissural basáltica (50 000 anos a 2000 anos). A última erupção vulcânica histórica data do ano 1761 com a formação da área de "Mistérios negros" (Pacheco et al., 2013). O CONNECT.GENE dedicará uma atenção especial à área de Santa Bárbara, às áreas do mosaico alto do Pico e à área fissural basáltica como um corredor, uma vez que tenham características intrigantes relativamente ao fluxo genético, como descrito mais adiante neste artigo.

A ilha do Pico surgiu há 0,23 Ma (Díaz-Pérez et al., 2008). França et al. (2003) e Pacheco et al. (2013) identificaram três áreas vulcânicas principais, nomeadamente por diminuição da idade cronológica: 1) complexo Topo-Lajes (300 000 BP anos para 10 000- 5000 BP anos); 2) complexo S.Roque-Piedade (230 000 BP anos com atividade subaérea e para o ano 1562/64 com a erupção do "mistério da praínha"); e 3) complexo da montanha do Pico (300 000 anos BP a 1300 BP). A atividade vulcânica recente associada a este complexo remonta ao ano 1718 com a erupção formando o "Mistério de Santa Luzia" e ao ano 1720 com a erupção formando o "Mistério da Silveira" (Pacheco et al., 2013). O CONNECT.GENE prestará especial atenção à avaliação da eficácia dos corredores relativamente ao "mistério da praínha", "mistério de Santa Luzia" e o planalto da ilha a meia-escala associado ao complexo Montanha e S.Roque-Piedade. Estes representam corredores de características únicas, como a largura, o comprimento e a idade. O "Mistério da Praínha" e o "Mistério de Santa Luzia" são aproximadamente da mesma idade jovem, portanto comparáveis, mas com a exceção de que o "Mistério da Praínha" é muito mais curto em comprimento e mais largo que o "Mistério de Santa Lúzia", que pode fornecer informações úteis sobre a contribuição do comprimento e largura para a eficácia de um corredor para uma espécie específica.

A ilha do Faial nasceu há 0,73 Ma, (Díaz-Pérez et al., 2008). França et al. (2003) identificam cinco áreas vulcânicas principais, nomeadamente por diminuição da idade cronológica: 1) complexo Ribeirinha (800 000 a 580 000 anos); 2) complexo Cedros (+410 000 a 30 000 anos); 3) complexo Almoxarife (11 000 anos); 4) complexo Caldeira (idade desconhecida até há 1200 anos); e 5) complexo Capelo (desconhecido até aos anos 1957-58 com a erupção vulcânica dos Capelinhos). O corredor de "Varadouro" a "Norte Grande" é especialmente importante porque está localizado entre os resíduos da erupção vulcânica de 1957 a Oeste e o complexo Caldeira a Este.

Agentes de conetividade da paisagem


O novo paradigma da conservação requer uma mudança no planeamento espacial, focado na facilitação do movimento de espécies e na manutenção dos processos na paisagem. As áreas protegidas devem ser nódulos dentro de uma rede de corredores que sirvam de “stepping stone” para o movimento das populações. Entendendo a natureza no seu carácter essencialmente dinâmico no tempo e no espaço, a conservação dos processos ecológicos requer que não nos fixemos apenas no que se passa nos núcleos protegidos, mas também olhar para além das suas fronteiras de forma a manter a funcionalidade dos ecossistemas. A compreensão dos processos de gestão das paisagens tradicionais do passado oferece conhecimento válido para melhorar o planeamento sustentado e para a gestão das futuras paisagens (Antrop, 2005).

Sabemos que nos Açores alguns dos agentes mais importantes que participam nestes processos de conetividade da paisagem são as aves, nomeadamente através da dispersão de sementes.

As aves



As plantas cujas diásporas possuem mais do que um tipo de especialização têm maior sucesso na colonização de ilhas oceânicas (Vargas et al., 2015). Contudo também é verdade que uma grande percentagem das plantas nativas dos Açores possuem diásporas não especializadas em qualquer tipo de dispersão, e Nogales et al. (2012) propõem a possibilidade de haver outros meios subestimados de dispersão que tenham favorecido eventos de colonização das ilhas, mas que também possam contribuir pontualmente para a conetividade atual entre populações vegetais, que envolvem aves.

01 Dispersão por aves omnívoras


- Grande capacidade de transporte de sementes devido ao seu tamanho corporal relativamente grande


- Forte potência de voo


- Tempo de passagem do intestino relativamente longo


- Movimentos espaciais e temporais regulares para e entre ilhas

02 Dispersão legítima por predadores de sementes


- Os predadores de sementes são comuns e abundantes nas ilhas


- A amplitude da dieta é tipicamente mais ampla nas ilhas, incluindo muitos frutos e sementes


- Muitas aves granívoras são migrantes regulares nas ilhas

03 Dispersão secundária de sementes


- As aves predadoras comem frequentemente lagartos e aves frugívoras, presas que são normalmente abundantes


- As aves predadoras tendem a ter boas capacidades de dispersão devido ao seu grande tamanho corporal, elevada capacidade de voo, longos tempos de passagem intestinal e movimentos para e entre ilhas


- Processo sazonal regular


Papel das aves na propagação de plantas exóticas


As aves são importantes dispersoras de plantas nativas, mas sempre que são introduzidas nas ilhas espécies de plantas com frutos atraentes para a alimentação das aves locais, estes podem passar a ser incluídos na sua dieta e potencialmente terem a dispersão das suas sementes facilitada por este meio. Em 2012, Heleno et al. analisaram a presença de sementes em excrementos de aves locais em São Miguel e observaram que as sementes exóticas estão profundamente infiltradas na rede de dispersão de sementes da ilha formando a maioria (59%) das sementes nos excrementos, incluindo as de três plantas invasoras globais. Embora as aves não tenham mostrado maior preferência por frutos da planta exótica Leycesteria formosa do que pelos do endémico Vaccinium cylindraceum, a presença desta planta exótica afetou negativamente o número de sementes nativas dispersas, desviando alguns dos consumidores dos frutos nativos. No geral, os resultados revelam um nível alarmante de invasão de sistemas de dispersão de sementes numa das últimas florestas autóctones remanescentes dos Açores. A ave nativa Fringilla moreletti, um predador de sementes típico e uma das espécies de aves mais abundante nas ilhas, é uma das maiores dispersoras de sementes da Leycesteria formosa (Heleno et al., 2010).

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O pombo torcaz (Columba palumbus azorica)

O pombo torcaz merece especial atenção pelo seu reconhecido papel enquanto dispersor de várias plantas florestais importantes dos Açores, já que consome vários frutos de árvores endémicas (ver o caso da Picconia azorica aqui), e já que é conhecido pelo seu comportamento de procurar alimento no chão da floresta, colocando a sua plumagem em contato direto com as plantas mais rasteiras que podem beneficiar do transporte das suas diásporas "à boleia" do pombo (ver o caso do Trichomanes speciosum aqui). Além disso este pombo é a ave terrestre frugívora de maiores dimensões dos Açores, tendo por isso capacidade de fazer voos longos e contribuindo para a conetividade de populações de plantas mais distantes.


Para compreender plenamente o papel que os pombos torcazes desempenham na conetividade da floresta laurissilva macaronésica, há ainda que fazer muita investigação sobre os seus hábitos históricos e atuais. Na altura em que o arquipélago dos Açores foi colonizado pelos portugueses, Gaspar Frutuoso (1589) mencionou no seu livro dois tipos de pombos das florestas na ilha Terceira: um preto que habitava a floresta em altitudes mais elevadas e, por ser tão fácil de apanhar pela mão, era prontamente caçado pelos colonos (provavelmente extinto); e um cinzento que corresponderia ao Pombo torcaz Açoriano que hoje conhecemos. Este comportamento destemido seria de esperar, pois antigamente estes pombos não tinham tantos predadores como têm hoje em dia após a introdução de animais exóticos como roedores e gatos que atualmente representam a principal causa de fracasso reprodutivo nas populações de pombo torcaz açoriano (Lamelas-López, 2020). Embora a hipótese de nidificar no solo pareça ser raramente escolhida pela espécie, a possibilidade de as espécies de pombos nas ilhas poderem ter tido uma interação mais estreita com a vegetação inferior das florestas nativas, incluindo as esteiras de briófitos e os tufos de samambaias, antes da introdução de predadores exóticos e da perturbação humana, não deve ser excluída. A partir das observações de campo efetuadas pela equipa do GEVA em que os pombos torcazes foram vistos a nidificar em hummocks rochosos no solo, os ninhos tinham uma coisa em comum: estavam em cima de esteiras de musgos e pequenas pteridófitas, que possivelmente oferecem uma textura suave e atrativa para a construção de ninhos. No entanto, sabe-se que a diversidade de briófitos (Alvarenga e Pôrto, 2007) e pteridófitas depende do tamanho da mancha florestal e da qualidade do habitat e que a área mínima de conservação requerida para os fetos é superior à das espécies vegetais lenhosas (Murakami et al., 2005), e o atual estado de conservação de manchas florestais nativas nos Açores não oferece as condições mais adequadas. Estes ecossistemas florestais nativos estão altamente fragmentados, principalmente devido à substituição da floresta nativa por pastagens, e a qualidade dos ecossistemas florestais está principalmente ameaçada por espécies não nativas invasoras, danos por herbívoros e modificação do funcionamento hidrográfico (Dias et al., 2012).

Mobilidade dentro da ilha

  Lucas (2004) no âmbito de um projeto de estágio na Universidade dos Açores contou o número de pombos torcazes em vários pontos de amostragem na ilha Terceira de manhã e à tarde, e viu que os pombos se vão aglomerando em sítios diferentes ao longo do dia, o que sugere uma mobilidade considerável destas aves dentro da ilha.

Como manter a conetividade mediada pelo pombo?


O pombo torcaz é uma espécie protegida e a degradação dos habitats naturais das ilhas representam uma ameaça para toda a rede de interações complexas que o envolve, cuja extensão só agora começa a ser compreendida. A dispersão das plantas é moldada pelo comportamento dos agentes dispersores, uma vez que dependem da escolha do habitat dos indivíduos dispersores (Baguette e Dick, 2007). Se o agente dispersor for forçado a trocar o seu habitat natural por um habitat perturbado onde a planta é incapaz de prosperar, mesmo que as populações de dispersores se adaptem às novas circunstâncias, falham enquanto corredor ecológico para a espécie vegetal.

A conetividade de populações vegetais que dependem do pombo torcaz podem depender de uma relação imperturbada dos pombos com o solo florestal, o que requer um certo nível de isolamento e sigilo das manchas florestais restantes para que estes se sintam suficientemente seguros para manter esta interação. Por conseguinte, devem ser concebidas medidas de conservação mais holísticas que visem o ecossistema como um todo para garantir a continuação das interações e não como intervenções pontuais dirigidas a cada espécie individualmente.


O tentilhão-dos-Açores (Fringilla moreletti)


A colonização das ilhas da Macaronésia pelo tentilhão comum resultou numa radiação evolutiva como populações fenotípica e geneticamente diferenciadas nos diferentes arquipélagos, e mesmo entre ilhas dentro do arquipélago das Canárias. Um estudo realizado em 2021 por Recuerda et al. revelou uma rota de colonização sinuosa desde o continente até ao arquipélago dos Açores, e depois para sul até à Madeira e às Ilhas Canárias, através do estudo da filogenia molecular. As diferenças morfológicas entre o tentilhão insular e o continental são relativamente pequenas. As principais fatores que impulsionam a radiação comum do tentilhão na Macaronésia terão sido a deriva devido a eventos fundadores, juntamente com a seleção sexual atuando sobre a coloração da plumagem e o canto.

Potencial agente de conetividade entre ilhas

 

 Até à realização deste estudo por Recuerda et al. (2021), o tentilhão-dos-Açores era considerado uma subespécie endémica - Fringila coelebs moreletti - mas através da análise genética entre populações dos diferentes arquipélagos da Macaronésia e do continente percebeu-se que é uma espécie diferente, tendo a passado a designar-se apenas por Fringilla moreletti. Este estudo permitiu também perceber que existe mobilidade do tentilhão entre ilhas dos Açores, o que faz dele um potencial agente de conetividade entre ilhas!

 

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As aves migratórias


Os Açores são um local importante de paragem e/ou de nidificação para várias espécies de aves migratórias, sendo inclusivamente um destino atrativo para a prática de Birdwatching. Vários estudos já apontaram as aves migratórias como transportadoras de organismos de flora e fauna para os Açores, tendo desempenhado provavelmente um importante papel na colonização das ilhas mas também contribuindo para a presente manutenção do fluxo genético entre ilhas. Por exemplo o poliqueta Ficopomatus enigmaticus não nativo dos Açores terá sido recentemente transportado para as ilhas, e Costa et al. (2019) sugerem as aves migratórias como vetor de transporte.  Morton e Britton (2000) já haviam documentado a importância das aves migratórias no transporte de espécies de hidróides para as zonas costeiras das ilhas e a sua possível relevância para o contínuo transporte inter-ilhas.

Polinizadores



Os polinizadores são outros elementos importantes para o fluxo genético entre populações, permitindo que as plantas se possam reproduzir sexualmente transportando o pólen entre flores. Os mais populares são provavelmente os insetos, embora haja uma panóplia de polinizadores que vão desde aves a morcegos a lesmas, etc. Espera-se que cada inseto opere dentro de um determinado diâmetro no território, e não tanto a longas distâncias, mas no seu conjunto os insetos polinizadores formam redes de polinização complexas que são essenciais à escala da paisagem.


Artrópodes


Os artrópodes variam muito nas suas capacidades de colonizar ilhas. Alguns deles são bons dispersores de longa distância, por exemplo, aranhas que fabricam "balões" com as suas teias e Lepidopteros migratórios. Escaravelhos da madeira, tais como Cetoniidae e abelhas carpinteiras (Xylocopa, Apidae), também podem ser transportados por ilhéus vegetativos flutuantes para ilhas oceânicas distantes. Outros parecem ser fracos colonizadores oceânicos, tais como alguns dos típicos grupos polinizadores de flores (por exemplo, abelhas e moscas de probóscide longa), que estão ausentes ou são fracamente representados nas ilhas (Simberloff, 1978; Inoue, 1993; Barret, 1998; Gillespie e Roderick, 2002). Além disso, a dispersão natural de colónias ou enxames de abelhas altamente sociais (por exemplo Apis mellifera) através de vastos oceanos parece ser impossível sem a ajuda humana (Valido e Olesen,2010), e não é de admirar que apenas algumas espécies de Hymenopteros (excluindo formigas) sejam nativas de ilhas oceânicas.

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Caso do Vaccinium cylindraceum

Por exemplo no caso do Vaccinium cylindraceum, o mirtilo endémico dos Açores, os polinizadores não são os mesmos em todas as ilhas, sendo que a ilha de Santa Maria é a única ilha onde as suas flores são polinizadas por formigas, enquanto que noutras ilhas estas são especialmente visitadas por microlepidópteros como as borboletas do género Hipparchia (Pereira, 2008).

Caso da Azorina vidalii

No caso da Azorina vidalii (um arbusto  endémico dos Açores que existe em todas as ilhas, exceto na Graciosa, em falésias e depósitos rochosos do mar), embora a polinização pelo vento possa ter lugar, esta espécie é principalmente polinizada por animais, e os visitantes das flores também variam entre as ilhas. Por exemplo, nas plantas das ilhas de Santa Maria (populações de São Lourenço e Ponta do Castelo) e Terceira (Porto Martins), o lagarto introduzido Teira dugesii foi visto a beber néctar e comer pólen das flores da Azorina. A borboleta Macroglossum stellatarum (Sphingidae) foi também registada como visitante de flores nas duas populações de Santa Maria, e chegou muito cedo de manhã às flores, muito antes de qualquer lagarto ter começado a forragear. Nstas duas ilhas, a abelha introduzida Apis mellifera, a borboleta monarca Danaus plexippus (Nymphalidae) e alguns Muscídeos das famílias Calliphoridae e Sepsidae (Diptera) também foram observados como visitantes destas flores. No entanto, nas duas ilhas ocidentais não foram observados lagartos nas três populações estudadas (uma na Terceira e duas nas Flores), e os únicos visitantes de flores foram Apis mellifera e Sepsis spp. (Sepsidae, Diptera), com uma taxa de visitação elevada.


O benefício dos polinizadores generalistas


Para investigar se as plantas endémicas raras dos Açores estão ameaçadas por limitações de polinizadores, Weissmann e Schaefer (2018) estudaram as comunidades de polinizadores de insetos de Azorina vidalii, Euphrasia azorica, Myosotis azorica e Solidago azorica na Ilha do Corvo. Não encontraram provas de dependência de um polinizador especializado. Pelo contrário, encontraram entre 5 e 21 insetos (na sua maioria polinizadores generalistas) por espécie vegetal, seis dos quais são provavelmente polinizadores introduzidos. A ordem Diptera, com pelo menos 12 espécies, e a Hymenoptera, com pelo menos nove espécies, são as mais importantes ordens de insetos e também mais importante na frequência das visitas. A diversidade relativamente elevada de polinizadores para cada planta estudada e a elevada proporção de generalistas indicam que as redes de polinização das quatro espécies de plantas em estudo são bastante resilientes, ou seja, a perda de uma espécie não constitui uma ameaça imediata. A contagem de sementes e o número de plantas juvenis indicam que o sucesso reprodutivo de todas as quatro espécies é estável. No seu conjunto, os resultados deste estudo sugeriram que não há limitação de polinizadores nas quatro espécies em estudo. Por conseguinte, os autores propõem que as medidas de conservação devem concentrar-se em outras ameaças, no Corvo principalmente na pressão de pastoreio.

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Sobre complexos invasores de polinização


Olesen et al. (2002) averiguaram a existência de complexos invasores de polinização, para saber se os polinizadores introduzidos nos Açores são os polinizadores preferenciais das flores de plantas também introduzidas. Os resultados do estudo não mostraram a existência de complexos invasores. Em vez disso, sugerem que espécies endémicas super-generalistas, ou seja, polinizadores ou espécies vegetais com um nicho de polinização muito amplo, incluem novas invasoras no seu conjunto de plantas alimentares e assim melhoram o sucesso de estabelecimento das invasoras. Revendo outros estudos, os super generalistas parecem ser um fenómeno insular generalizado, ou seja, as redes de polinização insular incluem uma ou várias espécies com um nível de generalização muito elevado.

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Caraterização e avaliação da integridade ecológica da paisagem


As comunidades açorianas são afetadas pelos efeitos da insularidade. Caracterizam-se por uma baixa diversidade florística, mas em contrapartida uma elevada complexidade estrutural. Os fenómenos de ampliação do nicho ecológico, típicos das espécies insulares, associados à diversidade fisionómica, resultam no estabelecimento de um elevado número de comunidades distintas. Este facto levanta problemas metodológicos, já que os métodos de classificação fitossociológica de uso mais generalizado na Europa, baseiam-se na composição florística como  principal fator discriminativo (Mueller-Dombois e Ellenberg, 1974; van der Maarel, 1975; Whittaker, 1980). Existem inúmeras abordagens à classificação da vegetação, as quais refletem, em grande medida, as especificidades de cada região ou os interesses de investigação específicos. É certo que uma abordagem global é necessária, para que possa existir uma linguagem universal para a comunicação científica. No entanto, no nosso entender, as abordagens gerais carecem de uma aproximação prática à realidade local, principalmente quando se pretende utilizá-las como um instrumento de gestão. Face às dificuldades que apresenta o sistema fitossociológico sintaxonómico clássico, tem-se optado por uma abordagem mista, assente em diferentes critérios de várias tradições classificativas (Melo, 2007). Esta aproximação pode ser definida como ecológica estrutural-florística e reúne os seguintes critérios classificativos:

Composição Florística

Cálculo de similaridades entre as amostras, baseado na sua composição florística ponderada por grau de cobertura (sistema de Braun- Blanquet).

Estrutura

Estratificação vertical - definição de estratos, números de estratos, cobertura e composição florística de cada estrato.

Dominância

Estratificação vertical - definição de estratos, números de estratos, cobertura e composição florística de cada estrato.

Métodos



Inventários florísticos: Avaliação no campo das unidades de vegetação através de inventários fitossociológicos, seguindo uma abordagem estrutural e florística (Mueller-Dombois e Ellenberg, 1974). Georreferenciação de cada inventário (ponto GPS).

Inclui os seguintes parâmetros florísticos e estruturais: Lista florística • Cobertura de cada espécie • Cobertura total do coberto • Altura máxima média da vegetação • Número de estratos • Altura média de cada estrato • Percentagem de cobertura de cada estrato e de cada espécie em cada estrato • Diagrama de perfil da vegetação • Número de mosaicos.


Variáveis ambientais: Altitude • Material Geológico – com base cartas geológicas • Geomorfologia – cartas geomorfológicas • Encharcamento – ver por exemplo classes de encharcamento definidas por Dias (1996) • Fatores Limitantes – Fatores ecológicos e ambientais determinantes para capacidade de  carga do meio • Parâmetros ambientais extrapolados dos Modelos Digitais do Terreno (DEM).



Variáveis topográficas: Declive • Orientação - direção para o qual o declive está direcionado • Exposição Topográfica.


Variáveis climáticas: Precipitação Média Anual • Precipitação Média no período estudado • Precipitação Oculta • Humidade Relativa Média Anual • Temperatura Média Máxima Anual • Temperatura Média Mínima Anual.


Utilização de software SIG e ferramentas de deteção remota


Os sistemas de informação geográfica (SIG) e métodos baseados na deteção remota têm sido utilizada um pouco por todo um mundo a fim de desafiar e caracterizar unidades espaciais (Haines-Young, 1992; Lioubimtseva e Defourny, 1999; Bastian, 2000; Kim e Pauleit, 2007). No entanto, a maioria das classificações paisagísticas tradicionais baseiam-se em conhecimentos especializados (Haase, 1989; Meeus et al., 1990), e apesar das divisões identificáveis que podem ser observadas, estas não são tão facilmente extrapoláveis estatisticamente. Os processos de SIG e de deteção remota, combinados com técnicas de classificação estatística (por exemplo, agrupamento), têm rendido resultados significativos na classificação de tipos de caracteres de paisagem (Jongman et al., 2006; Owen et al., 2006; van Eetvelde e Antrop, 2009).

Software SIG e deteção remota


Oliveira e Guiomar (2016) usaram uma abordagem que combina a análise espacial SIG e duas abordagens de agrupamento, uma espacial (agrupamento local) e outra não espacial (agrupamento global), para avaliar as caraterísticas paisagísticas das ilhas S. Jorge e S. Miguel. Estes autores concluíram que esta metodologia rendeu bons resultados e recomendam que seja utilizada nas restantes ilhas para melhorar o conhecimento sobre a caraterização da paisagem nos Açores no âmbito da Convenção Europeia da Paisagem.

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Outros exemplos


Bunce et al. (1996) utilizaram as estatísticas SIG e multivariadas para sustentar uma classificação territorial para um levantamento ecológico estratégico. Os processos baseados em SIG, combinados com técnicas de agrupamento, foram conduzidos por Metzger et al. (2005) e Jongman et al. (2006) para produzir uma estratificação estatística do ambiente europeu.


Owen et al. (2006) utilizaram o agrupamento "fuzzy" para derivar oito classes urbanas numa paisagem urbana, reduzindo a anterior dimensionalidade do conjunto de dados sobre a ocupação do solo através da análise de componentes principais.


Van Eetvelde e Antrop (2009) utilizaram um método que combina sequencialmente abordagens paramétricas e holísticas a dois níveis de escala, a fim de desafiar a nova tipologia de paisagem da Bélgica, entrando na Convenção Europeia da Paisagem para tipificar paisagens contemporâneas numa perspectiva transregional e transfronteiriça.


Jellema et al. (2009) apresentaram uma metodologia para a avaliação do carácter paisagístico utilizando um algoritmo de crescimento regional (técnica de segmentação de imagem para dividir ou segmentar uma imagem em regiões ou agrupamentos espacialmente contínuos) e concluiu que a nova abordagem era mais consistente do que a classificação dos peritos.




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